27/10/2017

NOS CAMINHOS DE PARIS: um encontro de comunhão (Estudo 3)

 

NOS CAMINHOS DE PARIS: um encontro de comunhão

 

Concluindo o caminho de estudo para Educadores/as Vicentinos/as, alusivo às comemorações dos 400 anos do Carisma, somos convidados/as a refletir tendo como referência geográfica e teológica a cidade de Paris e, através dessa ambiência simbólica, identificar contextos, acontecimentos e aprendizados que inspirem nosso projeto educativo.

 

  • Contextos, acontecimentos e aprendizados:

 

Paris é o lugar de decisões e articulações importantes para o carisma. Foi nesta cidade, por exemplo, que naquele 29 de novembro de 1633, no bairro de São Vítor, Luísa de Marillac reuniu o primeiro grupo de camponesas que queriam viver unicamente para servir Jesus Cristo nos pobres, dando origem à Companhia das Filhas da Caridade. É neste endereço que, periodicamente, Vicente lhes dirigia uma conferência a fim de ajudá-las a viver a caridade que testemunhavam nas andanças pelas ruas da ‘cidade luz’. Paris assistiu as intensas negociações para a aprovação da Congregação da Missão (CM), o zelo de Vicente na formação dos seminaristas e na reforma do clero. Foi igualmente em Paris que Santa Luísa, em 04 de junho de 1623, vive uma profunda experiência espiritual que ficou conhecida como Luz de Pentecostes e que, além de trazer-lhe paz interior, lhe permitiu avistar os planos que o Senhor lhe estava preparando. É nesta cidade que se apresentam as exigências concretas das experiências de Folleville e Châtillon. Ela é lugar de contrastes, o centro do poder que convive com os interesses e conflitos sociopolíticos e religiosos, a contradição da miséria e do abandono do povo. É nesse contexto que os Fundadores e todos aqueles e aquelas que assumiram o projeto de amor-serviço por eles intuído, escutam os apelos do Espírito. É em Paris que no ano de 1660 se finda a trajetória histórica de Luísa e Vicente, e que a obra por eles iniciada passa pelo crivo da verdade, de modo a dizer pela perseverança se sua origem está em Deus.

 

Nesse sentido, não atribuímos à capital francesa um acontecimento único e especial, mas nos referimos a ela como o lugar onde se desenharam os traços fundamentais da estruturação e difusão do carisma. Paris foi o lugar de maior permanência dos Fundadores. De Luísa de Marillac é a cidade de origem e onde viveu grande parte de sua vida. Quanto a Vicente de Paulo, nela esteve pela primeira vez em 1608 e, depois de transitar em outros espaços, volta para lá no final do paradigmático ano de 1617. Contudo, residir em Paris não significa para nossos Fundadores que tenham suas mentes, corações e projetos confinados a este lugar. Paris é, para Vicente e Luísa, o lugar estratégico onde instalam o telescópio da caridade que os permite olhar longe e ampliar seu campo de presença e ação. Não é ponto de chegada, mas o lugar da intensidade das “idas e vindas”, intuídas por Luísa, testemunhadas por ambos.

 

Para além do âmbito religioso, ou a partir deste, Paris nos apresenta a influência política, econômica, social de nosso Fundador, seus diálogos com a nobreza e com o alto clero, intercedendo pela cessação de conflitos, pelos interesses dos pobres, angariando e distribuindo recursos entre estes, participando de espaços decisórios, como o Conselho de Consciência. Desta cidade, Vicente e Luísa assistem, ainda em vida, o envio de seus filhos – Padres Lazaristas e Filhas da Caridade – para além das fronteiras da França. Tão intensa quanto é a convicção de que as obras que empreendem são dom de Deus e que é a Providência quem por primeiro as conduz, é o empenho que demostram em cooperar com a ação divina. Paris é o laboratório do amor afetivo e efetivo, onde ele é acalentado, acreditado, testado, pois não se trata de uma história estática.

 

Paris se configura como um encontro de comunhão ao agregar diferentes sujeitos e experiências em torno de um projeto comum: a caridade afetiva e efetiva. Entretanto, é importante superarmos o risco de um olhar romântico ou demasiadamente abstrato, vendo o desenvolvimento histórico do carisma como um movimento retilíneo, isento de ambiguidades e desafios. Ao contrário; por ser uma proposta novidadeira, as primeiras décadas foram fundamentais para discernir e firmar as convicções acerca do modus vivendi do carisma vicentino. Em Paris se aprende que não bastam boas ideias e intuições se estas não forem acompanhadas de um qualificado e perseverante processo de organização, reflexão, trabalho em equipe, abertura para o diálogo e cooperação. Nessa dinâmica, o tempo é o principal pedagogo que ajuda a lapidar e aprimorar as motivações da caridade. Foi preciso quase uma década para que a Congregação da Missão, cuja origem carismática aconteceu em Folleville em 1617, pudesse se estruturar como uma proposta orgânica de evangelização – o que, recordamos, necessitou de um impulso material significativo provido pela senhora De Gondi. Foram necessárias mais quatro décadas para Vicente de Paulo apresentar a regra de vida a ser assumida pela CM. A tríade missionária de a) trabalhar na própria perfeição; b) evangelizar os pobres, especialmente os camponeses; e c) atuar na formação do clero (COSTE XII, p. 75), foi fruto maturado na ação contemplativa de Pe. Vicente e de seus filhos espirituais que, antes de definir uma regra, a exemplo de Jesus, primeiro a viveram e ensinaram (COSTE XII, p. 5). Paris também ensina que o compromisso de um carisma é com a verdade e não com o sucesso. Isso pode ser verificado na intensa comunicação por cartas trocadas entre Luísa e Vicente nas quais dialogam acerca dos sinais de autenticidade vocacional das primeiras Irmãs – e eles foram muito lúcidos em discernir e indicar que havia entre elas algumas que não estavam aptas para a missão que a Companhia exigia; a quantidade não é sinônimo de qualidade e convicção. Paris ensina que a missão implica investimento de recursos e que é preciso honestidade e transparência na gestão destes. Diz-nos a história que pelas mãos de Vicente de Paulo passava mais dinheiro que pelo ministro de finanças francês; a dimensão das obras empreendidas pelo santo e o testemunho de pobreza evangélica que deixou evidenciam a retidão de caráter com que administrou esses recursos.

 

Assim, Paris é lugar de comunhão por nela contemplarmos como que uma síntese da amplitude da obra vicentina, do mesmo modo que percebemos que ela é fruto de muitas mãos, e que não pode ser lida desconectada da realidade sociocultural e eclesial. Paris nos recorda que a caridade não é um ideal platônico, não é amadora, nem improvisada. É uma realidade histórica, assumida na perspectiva da fé, que envolve pessoas, estruturas, recursos, formação.

 

NOS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO VICENTINA: um projeto de comunhão

 

  • Os contextos, acontecimentos e aprendizados:

 

Para nós que acompanhamos processos educativos, sejam eles no âmbito formal, popular ou eclesial, Paris é o lugar do diálogo propositivo, da alteridade nas relações, da empatia com os dramas do cotidiano, sobretudo dos pobres, e do compromisso em mover e articular estruturas que promovam a vida e a dignidades destes. Neste século XXI, Paris é o lugar da constatação das urgências da Criação, da natureza e da humanidade, na lúcida percepção que é impossível desconectá-las. Somos um todo e tudo está interligado, como diz o conceito de Ecologia Integral da Laudato Si’ (2015).

 

Para nós educadores/as, o encontro de comunhão ao qual este lugar nos motiva é um convite a romper com toda pretensão egoísta e escandalosa de fazer do conhecimento um produto a ser vendido, um mero slogan de marketing, e não um dom a ser partilhado. É a resistência, com consciência e competência, frente a mercantilização e descartabilidade da vida, das relações, dos recursos da Terra. Assumir Paris como encontro de comunhão passa pela disposição cotidiana de avaliar o grau de comprometimento pessoal com o projeto educativo assumido. Isso diz respeito, por exemplo, em rever as motivações e a dedicação com que se assume preparar um plano de aula; organizar um planejamento anual; dialogar com as famílias no portão ou na sala diretiva; redigir o projeto político-pedagógico da Instituição; apagar uma luz acesa sem necessidade e deixar um espaço organizado quando se sair dele, esteja alguém olhando ou não; separar o lixo e rever hábitos de consumo; zelar pelo bom aproveitamento dos alimentos preparados; usar de coerência e prudência no marketing institucional; sermos justo/as e honesto/as nos investimentos; atender com amabilidade quem bate à nossa porta. É assumir a lógica evangélica de que “que é fiel no pouco é fiel no muito” (Lc 16.10) e que, para o Reino de Deus não há maiores e menores, há irmãos e irmãs.

 

Concluímos, assim, nosso itinerário de reflexão orante inspirado no quadricentário de nosso carisma com essa provocação para lermos nossa história na gratidão, e na disposição de fidelidade e aprendizado. Como Educação Vicentina, o que esperamos e a que nos propomos, pessoal e institucionalmente, começando agora, para os “próximos 400 anos” que estão por vir?

 

Pastoral Escolar Vicentina - Província de Curitiba

 

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